terça-feira, 2 de agosto de 2011

O Grampo da Velhinha.


Luis Fernando Verissimo

Como se sabe, existe uma velhinha em Taubaté que é a última pessoa no Brasil que acredita. Ela acredita em anúncio, acredita em nota de esclarecimento, acredita até nos ministros da área econômica. Depois que foi localizada, a velhinha de Taubaté, coitada, não teve mais sossego. Todos os dias batem à sua porta querendo saber que canal ela está olhando, que produto ela está usando e se a explicação do governo sobre o último escândalo foi convincente. Ela sempre diz que foi. Algumas agências de publicidade estão incluindo no seu approach de marketing um "Velhinha Factor", ou a questão: isto passa pela velhinha? Muitas entidades públicas e privadas mantêm a velhinha sob constante observação. Fala-se mesmo que existe em Taubaté uma unidade médica em prontidão permanente, exclusivamente para atender a velhinha em caso de mal súbito ou escorregão. Há uma convicção generalizada de que, quando a velhinha se for, tudo desmoronará. A boa saúde da velhinha interessa tanto ao governo quanto à oposição responsável. Se ela morrer - ou deixar de acreditar -, teremos o caos, que não convém ao projeto político de nenhum dos lados. Quando o Tancredo e o Figueiredo se encontrarem e um perguntar como vai a saúde, não estará se referindo nem ao outro, nem ao Aureliano. Estará falando da velhinha de Taubaté. Só a velhinha de Taubaté nos separa das trevas.

Por isto, segundo o Correio Braziliense, o SNI decidiu intensificar sua vigilância sobre a velhinha e um agente disfarçado de funcionário da companhia telefônica bateu à sua porta, há dias. Foi a própria velhinha, um pouco irritada com as constantes interrupções do seu tricô e do seu programa na TV, quem atendeu. - Quié? - Vim consertar o telefone. - Eu não tenho telefone. O agente pensou com rapidez. - Vim instalar o telefone e depois consertar. - Mas eu não comprei telefone nenhum. - Deve ser presente de alguém. - Quem me daria um telefone de presente? - Alguém que está tentando ligar para cá e não consegue. A velhinha acreditou. Mas pensou um pouco e decidiu: - Se ele já vem estragado, eu não quero. E fechou a porta. O agente entrou em contato com seus superiores. Recebeu instruções para adotar o Plano de Contingência B. No dia seguinte bateu à porta da velhinha vestido de mulher e apresentando-se como divulgadora de produtos de beleza. Apesar do bigode e da barba, a velhinha acreditou. Deixou-o entrar e enxotou um gato de uma poltrona para ele sentar. - Estamos lançando uma linha de grampos para o cabelo e queremos que a senhora seja uma das primeiras a experimentar. - Mmmm. São grátis? - Absolutamente grátis. Só há algumas condições. A senhora precisa usá-los o tempo inteiro. Menos no banho, porque se molhar estraga o transmis... Estraga o grampo. - E se eu quiser comprar depois de experimentar, posso? - Pode. - Quanto custa cada um? - Dez mil dólares. - É um pouco salgado... A velhinha está usando os grampos o tempo inteiro, menos no banho e todas as suas reações estão sendo gravadas e mandadas para Brasília, para análise. Houve um momento de suspense quando a velhinha, em conversa com um gato, expressou algumas dúvidas sobre o caso Capemi. Mas as dúvidas passaram e a velhinha voltou a acreditar na versão oficial. Sua pulsação é firme. Sua digestão é boa. Fora uma pequena artrite, nada ameaça sua saúde. Ainda temos algum tempo antes do caos.


Comento: Esta personagem é uma criação do escritor mencionado no início do texto. Uma caricatura benfeita do povo brasileiro, cuja igenuidade o torna vulnerável a sofrer as consequências de ser enganado constantemente. Lendo a história podemos compará-la ao texto de Clarice Lispector, há um ponto em comum: confiar na honestidade das pessoas. Assim, o aproveitador encontra a oportunidade para levar vantagem sobre tudo. A velhinha de Taubaté acreditava até em políticos... rsrsrs

Luis Fernando Verissimo (Porto Alegre, 26 de setembro de 1936) é um escritor brasileiro. Mais conhecido por suas crônicas e textos de humor, mais precisamente de sátiras de costumes, publicados diariamente em vários jornais brasileiros, Verissimo é também cartunista e tradutor, além de roteirista de televisão, autor de teatro e romancista bissexto. Já foi publicitário e copy desk de jornal. É ainda músico, tendo tocado saxofone em alguns conjuntos. Com mais de 60 títulos publicados, é um dos mais populares escritores brasileiros contemporâneos. É filho do também escritor Erico Verissimo.

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